Não era que não gostássemos dele. Longe disso: andava na nossa mira há muito tempo, na coleção de homem com o seu nome e no trabalho extraordinário na Jil Sander (não nos esquecemos daquele casaco cor de rosa pálido, dupla face como forro cinzento claro). A questão era outra. Parecia-nos que ele "morava" algures nos antípodas do legado do Senhor Christian e do seu extraordinário e sempre novo "new look".
Agora, estupepefactos perante o facto de ele não desenhar e assumir com uma profunda (imensa, enorme) humildade toda a "heritage" da Dior e, sobretudo, do "saber-fazer" das pessoas (artesãos!) da "Maison" ficamos encantados com o documentário em que se nos revela a sua intimidade angustiada perante umas escassas 8 semanas para preparar a colecção inteira. O que faz num trabalho de equipa genuíno que serviria de “case study” para muitos empresários.
Do filme resulta o seu intimismo, a sua perplexidade e necessidade perante a arte, a comoção de ver estampados nos tecidos as telas com o spray do Sterling Ruby (e de não ter deixado largar a Bucol sem que o fizesse apesar de todos os obstáculos que lhe colocaram ...) e depois os ver nos dois vestidos e no casaco idealizados por ele que o fizeram chorar de comoção escondido no desfile.
É um portento de simplicidade (que diz “nunca farei coisas teatrais e, quando as fizer, dêm-me um chuto”), humildade, bom gosto (gosto inspirado na arte sem a qual diz que não consegue viver) e, sobretudo, um homem com uma imensa vida interior. O que se percebe na sua angústia e fuga em relação à face exibicionista e “show off” da moda,das câmaras e da primazia ao seu mundo interior, da visita sozinho aos museus que não dispensou nos dias de loucura que precederam a apresentação da coleção.
Percebemos que o sucesso está no facto de conceber a moda como um diálogo - um verdadeiro diálogo em que "ouve" mesmo e "fala com" - entre quem usa a roupa e quem a concebe e de não conseguir viver sem arte.
Agora mesmo, na coleção de inverno de 2016, 4 anos depois, foi buscar inspiração à pintura flamenga.
Raf Simmons é uma das pessoas que nos fazem gostar tanto de moda e de que ela se torne uma primazia na nossa vida. E precisamos de muitas pessoas como ele.
Por isso e muito mais, o documentário “Dior e eu” torna-se imperdível, uma viagem sem filtros a um mundo extraordinário de beleza que, de repente, se torna intimista e tão profundamente simples. E que nos faz pensar que, às vezes, as escolhas óbvias não são as mais acertadas e que nos enganamos nas aparências. MUITO BOM!